terça-feira, 28 de abril de 2009

A Ciência Jurídica e seus dois Maridos (Cap. 3 e 4)

GT – Direito, Cultura e Contemporaneidade.
WARAT, Luis Alberto. A Ciência Jurídica e seus dois Maridos.
Fábio Rabelo Rodrigues*


3. Citar e citar-se

“Todo, entre los mortales, tiene el valor de lo irrecuperable y de lo azaroso. Entre los Inmortales, en cambio, cada acto (y cada pensamiento) es el eco de otros que en el pasado lo antecedieron, sin principio visible, o el fiel presagio de otros que en el futuro lo repetirán hasta el vértigo.”
(Borges; El Aleph)



Com esta citação enceto um desejo um tanto quanto pretensioso de por um olhar democrático sobre a pluralidade ao modo de Luis Alberto Warat. Em sua prosa poética, Warat convida seus compatriotas, Cortázar e Borges, por meio de uma feliz intertextualidade. Sua palavra busca uma libertação do discurso, um discurso expropriado de donos, democratizado, um discurso que possa estar livre da intersecção das aspas declaradas por famas e esperanças.

Warat identifica a intertextualidade pela personagem que vive no livro de areia, de Borges, e que reescreve suas anotações sobre um livro mágico, no qual nunca se repetem as páginas que no dia anterior foram dadas aos olhos. Este livro de Borges pretende a autonomia, guardando não uma personagem, mas todas, ao momento que leva consigo suas páginas infinitas, sem princípio nem fim. O livro de areia nos permite a multiplicação das leituras do livro da nossa vida, e sobre essa areia se multiplica o infinito de cada olhar.

Neste espelho hermano de significações, vem ainda a alerta contra o saber mecânico, aquele tragado durante a meia hora de almoço, flagrado como um ato quase obsceno, em que se pretende o agente ficar ‘gordo de verdades’, acumulando compromissos irreparáveis com sentenças predispostas pela ciência. O prazer deve guiar-nos, deve fazer-nos Vadinhos que busquem na pupila alheia mais que apenas um reflexo nosso, pois a identidade se constrói na miríade de reflexos. O nosso discurso deve estar aberto, deve por si proporcionar que se cante o mesmo em alto e bom tom, como uma canção a ecoar em outras vozes. Sustenta ainda Warat, que só um discurso dialógico como meio e fim do mesmo, pode nos mostrar um mínimo de vida, pois existirá aí, não uma, mas duas vozes intercaladas a cadenciar os passos de nossa caminhada.

Nas sociedades burocráticas em que vivemos é possível ver um simulacro de poder. O domínio se dá dos olhos para dentro. A intertextualidade é petrificada nesse meio, promovendo a ascensão de um totalitarismo que engole o plural e cria o peso que estagna as idéias. E, portanto, é preciso quebrar o apelo à ideologia, que sustenta o teatro ilusório da unidade, a principal base desse perigoso sistema de sociedades burocráticas.

Somos o resultado de um câmbio interior com o mundo, à medida que, a idéia não pode surgir pelo lado externo das significações, ela precisa do meio, e o meio é constituído pelas significações que precedem, inelutavelmente, cada idéia que compõe o pensamento humano, por esse motivo, precisamos de discursos vivos que possam sempre ecoar em múltiplas interpretações, sem que a autoridade de um significado o prenda a uma única escrita.


4. Em nome da razão você pode ser agressivo


Neste capítulo, Warat nos coloca diante de um estudo acerca da semiologia e nos apresenta por meio do que nos parece um agradável colóquio a figura de Barthes. E com Barthes, ele nos propõe algumas percepções que vêm a nos ser úteis para a compreensão do texto.

Primeiramente, surge dentre essas percepções a noção do escritível e do legível. O escritível, frente ao leitor, se desentrelaça de suas algemas que o prendem ao fantasma de um significado único, no escritível cabe uma distorção natural de rumo, providenciada pela interpretação da leitura. O legível, por sua vez, se compromete a um signo, caracterizando-se assim, com um certo teor ideológico. O legível pretende a unidade que lhe assegure a ilusão da imobilidade de seu significado; o legível delimita a multiplicidade da leitura ao valor denotativo do enunciado. Felizmente, Warat descobre no baile das denotações, a beleza das conotações, beleza esta que estava como que desprezada e que emerge à vista de uma perscrutação iniciada em Barthes.

É possível notar que a semiologia em Barthes abre-se como um leque de significações. Ao leitor logocêntrico que se deparar com Barthes faz-se necessário um desprendimento da busca de um significado centralizador que medie os passos daquele que se arrisque a leitura de uma obra e que ao mesmo tempo peneire os diversos sentidos possíveis que moldam o seu discurso. Para Warat, é uma postura descentralizadora de interpretações que abre espaço para a leitura democrática, uma leitura que busque a pluralidade. No entanto, o mais notável em Barthes, é a sedução sobre o leitor. O escritor resiste à pré-conceituação da linguagem, desconstruindo a linguagem e pondo em cheque a moral embutida às palavras. O olhar científico é afastado junto a uma possível investigação metafísica logocêntrica, pois, ao mesmo tempo em que ela reifica a realidade, transforma esta em coisa, também nos impõe o instituto da verdade, deixando o gérmen de um discurso totalitário. Aos homens é necessária uma desvirtuação das palavras, para que esses possam, assim, recuperar seus desejos e escapar de uma rede de repressão, por isto, Warat defende que a linguagem deve ser levada ao absurdo, até onde não seja possível enxergar das palavras os seus horizontes.

No que diz Warat da relação semiológica do texto com o leitor, repito aqui como a alerta de que não devemos deixar que as significações repreendam os desejos, mas apenas que os desejos guiem as novas significações. E parafraseando o pensamento de Dostoiévski, acho que somente a visualização dessa beleza existente na pluralidade de leituras é que pode salvar o texto e a nós mesmos. A beleza do que é carregar essa sensualidade a que pretendem as conotações é mais do essencial à leitura.


* Aluno do curso de Direito – Faculdades Nordeste

Um comentário:

  1. Leia matéria em meu blog de como utilizar a arte para criar uma consciência de preservação do patrimônio histórico material e imaterial. Caso Município de Senador Pompeu, Ceará. Leia, comente e divulgue:http://www.valdecyalves.blogspot.com/

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